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CHARLES LLOYD, ROY HAYNES, LEE KONITZ, LOU DONALDSON, SONNY ROLLINS E JON HENDRICKS: VIVOS E ATIVOS

por Roberto Mugiatti
para o Clube do Jazz


Capas recentes das revistas de jazz mais respeitadas celebram dois senhores músicos. 

A Jazz Times traz Charles Lloyd numa foto posada em meio corpo com seu sax-tenor e os dizeres: “A fogueira ainda queima”. 

Já a DownBeat ostenta um close de Roy Haynes, visual de ‘ultimate fighter’, cabeca raspada, óculos escuros e o rosto tomado pela ação atrás da bateria, adrenalina pura.


Charles Lloyd, de 77 anos, tocou com músicos do blues e do rock (B.B. King, Howlin’ Wolf, The Byrds, The Beach Boys) e ajudou a revelar pianistas como Keith Jarrett, Herbie Hancock, Michel Petrucciani e Brad Mehldau. Seu projeto mais recente, perseguido por oito anos, foi a gravação do Athens Concert, aos pés da Acrópole, em 2010, com a grande cantora grega Maria Farantouri, que inclui temas tradicionais, do próprio Lloyd e do compositor grego Mikis Theodorakis, famoso pela trilha de Zorba.


Roy Haynes, com 90 anos, 70 de carreira, tocou com os melhores saxofonistas (Lester Young, Charlie Parker, John Coltrane), trompetistas (Dizzy Gillespie, Miles Davis) e pianistas do jazz (Bud Powell, Thelonious Monk, Chick Corea). Lembro que fui procurá-lo no camarim quando tocou no Free Jazz do Rio em 1999 e o encontrei de peito num corredor do MAM fazendo 100 (ou seriam 200?) flexões no piso de concreto. Em 1960, a revista Esquire indicou Roy Haynes como um dos americanos mais bem vestidos, ao lado de Fred Astaire, Clark Gable e Cary Grant. A DownBeat resume sua vitalidade numa frase: “Ver Haynes impulsionar uma banda com musicos que podiam ser seus netos seria um choque se nao fosse um acontecimento corriqueiro”. O proprio Roy se define com absoluta franqueza: “Nao me visto como um cara que nasceu em 1925. E nao ajo como um que nasceu em 1925”.


Folheando essas revistas, vejo que Lee Konitz, de 88 anos, continua gravando discos, e é dono de uma rica discografia que chega quase a 200 titulos. Konitz e o unico sobrevivente das gravações históricas do "Birth of the Cool" (1948-50), ao lado do trompista Gunther Schuller, de 89 anos. (Entre outras coisas, Schuller produziu recentemente alguns CDs do saxofonista brasileiro Ivo Perelman.) Em 2007, fui ouvir Konitz no Rio tocando com músicos jovens num contexto hibrido jazz-erudito. Era dia do meu aniversário, 6 de outubro (adiei a festa) e ele, uma semana depois, completava 80 anos em plena forma.


Vale lembrar tambem o sax alto Lou Donaldson, que fez 88 anos e está comemorando seus 63 anos de carreira. Jon Hendricks, que aperfeiçoou a técnica do vocalise, está com 94 anos e segue cantando. Dizem até que vai cantar com João Gilberto (epa, o baiano tá na estrada, na moita, aos 80!) Falando de brasileiros, no ultimo CopaFest, Airto Moreira -– percussionista de Miles Davis nos anos da fusion -– comemorou seus 70 anos com a banda da filha, Diana Booker. Perdoem-me se esqueci alguns veteranos que continuam dando canja, nao apenas tomando canja... (E perdoem-me se alguns dos aqui citados deixarem o palco ate a data da publicação, afinal, ninguém e perfeito...).


Outros oitentões que não param de soprar o saxofone (alguns ainda se esmerando na respiração circular) são Sonny Rollins e Benny Golson. Rollins, de 84 anos, lançou recentemente o álbum "Road Shows, Volume 2". Benny Golson, de 86 anos, faz parte do supergrupo de hard-bop The Cookers e esteve tocando no Brasil reste ano. Ele atua e toca no filme de Steven Spielberg, "O Terminal" (2004). Na historia, Viktor Navorski (Tom Hanks) tem o passaporte invalidado por causa de uma revolução no seu pais – uma republiqueta eslava chamada Cracozia – e fica meses preso no aeroporto JFK. O objetivo de sua viagem e conseguir o último dos 57 autografos dos músicos de jazz que figuram na famosa foto feita por Art Kane em 1958 e batizada de "A Great Day in Harlem" – uma espécie de foto de familia e ícone do jazz. O pai de Viktor, um fã de jazz extremado, recortou a foto de um jornal húngaro e jurou que conseguiria os autografos de todos aqueles músicos. Morreu antes de conseguir a última assinatura, do saxofonista Benny Golson, que toca num clube de Nova York, mas Viktor esta proibido de entrar nos EUA. Ele guarda a foto enrolada numa latinha de amendoim que se torna um grande (e ameacador) mistério para as autoridades do aeroporto. Como Spielberg e chegado a um happy end, Viktor pega finalmente um taxi para Manhattan e encerra a missão do pai colhendo a assinatura de Benny Golson.


Umas das mais expressivas ‘fotos de familia’ do jazz e autentico ícone, "A Great Day in Harlem*" tornou-se um canal da radio accujazz, que toca o dia inteiro músicas dos jazzistas que posaram para Art Kane nos degraus de uma casa do bairro negro de Nova York. Dos 57, alem de Golson, continua vivo (e ativo) apenas Sonny Rollins. O ‘terminal’ do titulo do filme refere-se ao aeroporto, não a uma condição de saúde. O jazz está muito longe de respirar por aparelhos. Renovado pelas jovens gerações e praticado com vigor pelos veteranos, ele transpira emoção no toque mágico de pianos, contrabaixos, baterias e expira seu sopro vital através de instrumentos maravilhosos como saxofones, trompetes e trombones.




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