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HERBIE HANCOCK 2015: SETENTA E CINCO ANOS JAZZ (por Chico Marques)


Herbie Hancock faz 75 anos neste domingo, dia 12 de Abril.  

Vencedor de uma infinidade de Grammies, é reconhecidamente um dos arquitetos do jazz moderno e um pianista e compositor de primeiríssima grandeza. 

Herbie esteve no olho do furacão ao longo dos Anos 60, quando conciliou uma carreira solo sensacional na Blue Note Records com uma participação marcante no quinteto mais ousado de toda a longa carreira de Miles Davis, ao lado de Wayne Shorter, Ron Carter e Tony Williams. 

Mais adiante, nos Anos 1970, foi pioneiro no uso de teclados eletrônicos na Cena Jazz-Rock, à frente do excelente grupo Headhunters, e, desde então, não cansa de explorar novas fronteiras para o jazz e abrir novos rumos para a música em geral.

Curiosamente, seu maior sucesso comercial desde então foi também seu retorno ao be-bop clássico na magnífica trilha sonora que elaborou para o filme "Round Midnight", onde contracena com Dexter Gordon tanto como músico quanto como ator.

A seguir, trechos de várias entrevistas concedidas por Herbie Hancock a diversos veículos de Imprensa ao longo desses últimos cinco anos.



JAZZ JIVE: Herbie, o que significa viver uma vida criativa?

HERBIE HANCOCK: A essa altura da minha vida, o meu foco principal não é mais sobre a forma de arte em torno da qual minha carreira foi construída, e sim de onde ela vem, para onde ela vai, para que ela serve, coisas assim... Não consigo desvencilhar os rumos da minha música dos rumos da minha vida. Virou tudo uma coisa só. A base da expressão artística é, para mim, a própria essência da vida. Quanto mais eu tentar expandir e desenvolver a minha vida, maior será o impacto disso na minha música. E vice-versa. Deixo que a música seja uma ferramenta para essa expressão, e sigo praticando esta forma de arte especial, com a esperança de que ela possa ser um agente catalizador nas vivências de meus ouvintes. Não espero que o público seja inspirado por minha música e me coloque num pedestal. Nada disso. O que eu espero é que, de alguma maneira, minha música aja dentro de cada um deles e traga para suas vidas mais conteúdo, mais inspiração, e um significado ainda maior. Que, através da música, eles se tornem mais conscientes de algo que já está dentro deles. Essa é a minha esperança. 

JAZZ JIVE: Você sempre pensou assim, ou passou a pensar assim depois de se tornou budista?

HERBIE HANCOCK: Sempre pensei assim. Veja, há uma tendência para que as pessoas sejam indulgentes em relação à atitude do artista, apesar da expressão artística lhes agradar. É como se, para eles, o artista tivesse salvo-conduto para ser estranho, egoísta, até rude... Eu não concordo com isso. Eu não sou assim. Acho que isso distancia o palco da "vida real". Está errado. Estamos todos juntos. Para mim, a arte mais importante que existe é a arte na qual todos nós estamos diretamente envolvidos: a arte de viver. 




JAZZ JIVE: O que você aprendeu trabalhando com grandes mestres como Miles Davis?

HERBIE HANCOCK: Miles sempre me apoiou quando me dispus a correr riscos com minha música. Era exatamente isso que ele queria que fizéssemos. Ele queria que nós tentássemos sempre encontrar novas maneiras de nos expressar musicalmente. Ele não estava preocupado com os erros que cometíamos, pois para ele o importante era que tivéssemos coragem para eventualmente cometer erros, sem medo. Nós trabalhávamos no limite. Quem trabalha no limite, erra muito. Mas, depois de muita insistência, acaba acertando. Na verdade, o importante para todos nós é sempre a pesquisa, a honestidade e integridade que as pessoas sentem no trabalho que você está desenvolvendo. O importante é eles ouvirem você e sentirem o que você está fazendo dentro dos seus corações. Música não é uma ciência exata. Música é experiência. Quando ddigo que minha prática budista está no cerne de tudo o que realizo em minha vida artística, é porque ela realmente abriu meus olhos para tudo o que eu observei e ouvi de meus mentores musicais. Eu aprendi que qualquer situação pode ser vista a partir de um número infinito de pontos de vista. Com Miles eu aprendi que uma composição é uma expressão, uma ideia. Um músico de jazz pode se apropriar de uma velha canção e, a partir dela, rever uma infinidade de conceitos musicais. Este conceito também pode ser aplicado para a vida diária. Há uma tendência natural para olharmos as situações que nos cercam a partir de um ponto privilegiado. O que o budismo nos ensina, e que a vida nos ensina, é que a situação pode ser analisada de muitas, muitas maneiras diferentes. E a forma como olhamos para uma situação, e como nos posicionamos diante dela, pode determinar se essa situação de vida vai ter um efeito negativo ou um efeito positivo sobre o nosso futuro. A verdadeira liberdade é quando você não tem mais medo de qualquer situação que possa vir a acontecer com você.

JAZZ JIVE: E como foi trabalhar naqueles duos com Chick Corea?

HERBIE HANCOCK: Sempre foi um prazer e um grande desafio. Chick e eu temos backgronds musicais diferentes, e vivemos experiências diferentes nos grupos de Miles em períodos bem distintos. A música dele tomou um rumo muito diferente da minha. Daí, é ótimo poder fazer com nossas musicalidades se encontrem e se complementem. Agora então, que já passamos dos setenta anos, acho que essa brincadeira tende a ficar ainda mais interessante do que nos nossos encontros anteriores. Faço questão de dizer que trabalhar com Chick é reconfortante, acolhedor, e sempre muito estimulante. Mas é também um desafio. E, claro, sempre um imenso prazer.

JAZZ JIVE: Por que o jazz não faz mais parte da cena pop?

HERBIE HANCOCK: Porque não é mais a música que importa. As pessoas não querem mais saber da música em si, mas sim de quem faz a música. O público está mais interessado nas celebridades e em como determinado artista é famoso do que na música. Mudou a maneira como o público se relaciona com a música. Ele não tem mais uma ligação transcendental com a música e sua qualidade. Quer apenas o glamour. O jazz não quer fazer parte disso. Sabe por quê? Não se trata de humildade, nem de arrogância, de uma postura “não queremos ser famosos, somos underground”. Nada disso. O jazz é sobre a alma humana, não sobre a aparência. O jazz tem valores, ensina a viver o momento, trabalhar em conjunto e, especialmente, a respeitar o próximo. Quando músicos se reúnem para tocar juntos, é preciso respeitar e entender o que o outro faz. O jazz em particular é uma linguagem internacional que representa a liberdade, por causa de suas raízes na escravidão. O jazz faz as pessoas se sentirem bem em relação a si mesmas.



JAZZ JIVE: O que leva você a redefinir sua música por completo de tempos em tempos?

HERBIE HANCOCK: Bem, eu sempre fui movido por uma curiosidade muito forte na minha alma. E essa curiosidade sempre pontuou todas as fases da minha vida, e sempre me transportou de um projeto para outro. Eu estou sempre tentando encontrar algo que eu ainda não tenha feito -- se possível algo que ninguém tenha feito antes. É por isso que cada um dos meus discos parece querer encontrar uma maneira própria de interagir com o ouvinte. Nesses últimos anos, então, isso ficou ainda mais acentuado nos meus discos. Tenho a sensação de que o Século 21 é o Século da Globalização das Artes. Acho que é vital mergulhar de cabeça nas grandes oportunidades que a Globalização das Artes pode proporcionar. Muitas pessoas têm medo disso, e eu até entendo. Mas, na verdade, esta é a grande chance de todos os seres humanos criarem o tipo de mundo no qual realmente queremos viver. Não adianta sentar e esperar que alguém venha fazer isso por nós. Nós temos que fazer parte da construção do mundo em que queremos viver. Eu me dedico a esse conceito nesses últimos anos.

JAZZ JIVE: É por isso que você se mantém sempre em sintonia com vários gêneros musicais ao mesmo tempo, e está sempre disposto a colaborar com artistas pelo mundo afora?

HERBIE HANCOCK: Sim, bem, a minha intenção é deixar claro que as culturas não crescem quando se isolam. As pessoas ao redor do mundo são como uma Grande Orquestra. Temos que saber qual o nosso papel na construção desta Orquestra. Pouco importa se ela vai tocar em sintonia, ou completamente fora de sintonia. Se nós não tentarmos entrar numa mesma sintonia, é muito provável que não haja mais música no futuro.

JAZZ JIVE: Você, sempre que pode, gosta de trabalhar com os jovens. Ultimamente, tem dado palestras e promovido workshops conceituais em Universidades, sendo que Harvard foi a primeira. Porque isso?

HERBIE HANCOCK: Na década de 1960, inúmeras mudanças importantes foram instigadas por pessoas que tinham acabado de sair da adolescência. Sem nenhuma modéstia, posso dizer que eu fui uma delas. O que foi feito realmente mudou o mundo, em muitas maneiras. Eu acho que num futuro não muito distante, se tivermos sorte, um tipo muito semelhante de revolução irá acontecer como consequência do estímulo que despertarmos em nossos adolescentes. Meu único receio é que, se algo nesse sentido, em larga escala, não começar a ser feito logo, o futuro não só vai ser rochoso, como também muito perigoso. Precisamos criar uma espécie de Tabela de Vida, onde todos são incentivados a saber exatamente o que tem para oferecer. Não dá mais para negar que para viver neste planeta nós precisamos uns dos outros. E é só aproximando uns aos outros que conseguiremos seguir em frente.











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