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UMA ENTREVISTA COM O GRANDE GUITARRISTA KENNY BURRELL, 85 ANOS RECÉM-COMPLETADOS

por Chico Marques


Kenny Burrell nasceu em Detroit, Michigan, em 31 de Julho de 1931, há exatos 85 anos. Quando era jovem, pensou em tocar banjo e ukelele como seu pai, ou em cantar no coro da Igreja como sua mãe. Mas como seu irmão mais velho tocava saxofone, ele começou a aprender guitarra para poder acompanhá-lo.

Burrell cresceu na cena musical de Detroit juntamente com craques como Donald Byrd, Yusef Lateef, Milt Jackson, Tommy Flanagan e vários outros. Sempre que algum artista de renome passava pela cidade, acabava levando com ele algum jovem artista promissor da cidade. Burrell deixou Detroit em 1950 a convite de Dizzy Gillespie, que o viu tocar, gostou do que viu e ouviu, e o contratou de imediato para uma tournée.

Mas ao final da tournée, Burrell deixou a banda de Gillespie para estudar música na Wayne State University, onde se formou em 1955. Substituiu Herb Ellis no Oscar Peterson Trio, e seguiu para Nova York, onde fixou residência, e deu início a uma carreira esspetacular, tanto como sideman quanto como solista.

Selecionamos 10 perguntas de várias entrevistas concedidas por Kenny Burrell recentemente, a respeito de seus 85 anos de idade. As respostas não, muitas vezes, revelações surpreendentes.

Com vocês, o fantástico Kenny Burrell



Pergunta: Impressionante como tem músicos e cantores vindos de Detroit. Você é de lá também. Você acha que existem similaridades entre eles?

Kenny Burrell: Acho vontade de fazer música da maneira mais boa e honesta possível, ao invés de buscar atalhos meio duvidosos. Pode ser que isso tenha a ver com o espírito industrial da cidade. Eu sei é que para mim o que conta é fazer com que cada nota, cada solo, cada melodia que você produza realmente conte e faça a diferença.

Pergunta: Vista de fora, Detroit parece uma comunidade sofrida e ao mesmo tempo cheia de vida. É por aí?

Kenny Burrell: É difíciI para mim responder a essa pergunta, pois eu estava do lado de dentro. Posso dizer com certeza que todos nós lá em casa trabalhávamos duro. Quando ao lado "caloroso" que você mencionou, com certza isso nunca faltou para nós. Acho que essa conjunção entre o que vai no nosso coração e o que vai na nossa mente está bem presente em tudo o que eu faço como músico, e de uma maneira bem equilibrada.

Pergunta: Você sentiu algum choque cultural quando mudou de lá para Los Angeles?

Kenny Burrell: Estou bem acostumado aqui. Eu vivo em Los Angeles porque tenho sido há já 20 anos Diretor do programa de Estudos de Jazz na UCLA (University of California - Los Angeles). Mas tenho andado por aqui desde 1978 como professor-convidado na UCLA. Fico por aqui a maior parte do ano, e só viajo em tournées no Verão, quando estou em férias.



Pergunta: Você gravou uma série espetacular de discos para a Blue Note Records -- entre eles Midnight Blue, que é frequentemente citado como o melhor disco de sua carreira. Quais são suas lembranças das sessões de gravação de Midnight Blue?

Kenny Burrell: Eu lembro bem porque entrei no estúdio já com uma idéia bem clara do que pretendia fazer. Quando escrevi as canções, não conseguia imaginar nenhum piano participando dos arranjos, daí montei todas as harmonias imaginando um combo que não tivesse piano, mas que tivesse muita percussão e também um saxofone: uma combinação bastante incomum. Daí chamei alguns músicos com quem tinha muita afinidade e com quem já tinha trabalhado outras vezes antes -- o sax tenor Stanley Turrentine, o percussionista Ray Barreto, o baterista Bill English e o baixista Major Holley --, e deu tudo certo até demais, e da forma mais natural possível. No final, acabou prevalecendo o tom do blues, o que não foi exatamente intencional, veio naturalmente. Minha filosofia de trabalho sempre foi: "se é para esse lado que a música está seguindo, deixe ela te levar e faça o melhor que você pudewr. Confesso que nunca entendi direito porque incluímos em meio às nossas canções originais um standard de Don Redman, Gee Baby Ain't I Good To You. Mas acho que o tom bluesy que veio naturalmamente acabou chamando essa canção, e nós a deixamos entrar. Mas o meu tema favorito desse disco é uma peça curta intitulada Soul Lament, que compus quase acidentalmente num intervalo de gravação do disco. Nós a gravamos, e no início eu me sento um pouco inseguro em relação a ela. Mas então chamei todos os membros da banda para opinar se Soul Lament deveria ou não fazer parte da seleção final do disco, e todos disseram que sim.

Pergunta: É um belo tema. Muito simples, e muito bonito.

Kenny Burrell: Pois é... agora, tem duas outras coisas que fazem com que este disco seja muito especial para mim. Vários músicos que eu respeito muito, e que até então nunca tinham se manifestado em relação ao meu trabalho, declaram publicamente gostar muito do disco. E então, muito tempo depois, fiquei sabendo que Alfred Lion, proprietário da Blue Note Records, achava Midnight Blue o melhor disco de todo o seu catálogo. Era seu disco favorito. Quem me contou foi a mulher dele, meio reservadamente, e ainda disse que concordava com a opinião dele. Eu fiquei lisongeadíssimo com isso, e perguntei a ela: "Mas o que vocês acham que meu disco tem de tão especial?" Ela disse: "É que cada nota contida nele suínga."



Pergunta: Você foi o único guitarrista com quem John Coltrane gravou. Que lembranças você guarda daquelas sessões de gravação?

Kenny Burrell: Eu me mudei para New York em 1956 e vivi lá por muitos anos. Vivia envolvido em inúmeras gravações, a maioria delas de música pop. Mas fazia isso para sobreviver, pois gostava mesmo é de participar de gravações de discos de jazz, onde muitas vezes, dependendo do orçamento de cada disco, tocava quase de graça. Eram gravações para a Prestige, para a Blue Note, e para a Savoy Records. Esses três selos eram incansáveis. Bob Weinstock, da Prestige, costumava promover o que chamávamos "blowing sessions": convocava jovens músicos com uma semana de antecedência, pedia que cada um trouxesse uma ou duas canções originais e montava os grupos na hora de gravar. Depois de um rápido ensaio, era Take 1, Take 2, Take 3 e... pronto! Daí era só escolher a melhor. Lembro de uma dessas "blowing sessions" com John Coltrane, o pianista Tommy Flanagan, o baterista Jimmy Cobb, o baixista Paul Chambers e eu. O legal delas é que nunca havia um único líder na banda. Era comum 2 ou 3 pessoas dividirem a liderança -- apesar de, no final das contas, quando o disco era lançado, apenas um assinar a faixa na condição de comandante do grupo.



Pergunta: E como foi trabalhar com Coleman Hawkins no disco Bluesy Burrell (OJC, 1962)?

Kenny Burrell: Hawk era um grande mestre. Para mim foi uma experiência e tanto. Ele era uma pessoa maravilhosa e adorava tocar com jovens músicos. Juro que nunca trabalhei com um músico que fosse tão flexível e versátil. Seu ouvido era absoluto. Gravamos dois discos numa tacada só: um dele como líder e eu como convidado, e esse outro comigo liderando a banda e ele como sideman.

Pergunta: Por último, conte para nós de suas lembranças das gravações de God Bless The Child para Creed Taylor, com aqueles arranjos lindíssimos de Don Sebesky?

Kenny Burrell: Eu adorei participar daquilo lá. Eu tinha uma ótima relação com Creed Taylor, da CTI Records, desde quando gravamos Guitar Forms com a Gil Evans Orchestra. Foi um disco que fez muito bem para todos os envolvidos, ganhou muitos prêmios, e quase levou um Grammy para casa. Mas essa sessão que você mencionou, que era uma homenagem a Billie Holiday foi muito especial para mim, pois trabalhei com ela nos Anos 50 em vários discos, e fui muito influenciado por seu jeito de cantar no meu jeito de tocar guitarra. Foi uma saudação a seu espírito musical. Foi nesse disco que gravei pela primeira vez "Love in the Answer." É uma homenagem a Billie, a Duke Ellington e a todos os músicos que eu admirava e que ajudaram a formar minha personalidade musical.

Pergunta: No baseball, conforme um lançador envelhece, ele passa a compensar a perda da velocidade com um controle maior do arremesso da bola. Isso acontece com guitarristas também?

Kenny Burrell: Talvez. Isso nunca tinha me ocorrido, mas faz sentido que seja assim. Francamente? Eu nunca me importei com velocidade. Meu foco sempre foi na clareza das notas ao longo dos solos e dos acordes. No baseball, velocidade é fundamental, faz parte do arsenal de todo jogador. Já na música, velocidade pode até ser um diferencial, mas não é tão vital assim. Tem muitas outras coisas envolvidas nas questões musicais que vemé isso o que eu penso e pratico.

Pergunta: Para encerrar: em 2004 a revista Down Beat concedeu a você o título de "Educador de Jazz do Ano." Porque educação musical é algo tão importante para você?

Kenny Burrell: Primeiramente porque nossa sociedade padece de uma falta de educação musical. Jazz é muito importante para a Música Americana, e é vital que as novas gerações entendam não apenas o valor inestimável disso, mas também que essa riqueza toda pertence a eles, está aí para que eles desfrutem dela. Mas para isso é importante que o jazz seja descoberto por eles. E é essa a minha missão como Educador Musical. Só pela Educação conseguiremos manter a Grande Música Americana viva e seguindo em frente.



DISCOGRAFIA SELECIONADA


Tenderly
(HighNote, 2011)
Be Yourself
(HighNote, 2010)
75th Birthday Bash Live!
(Blue Note, 2007)
Ellington is Forever Vol.2
(Fantasy, 1977)
Ellington is Forever Vol.1
(Fantasy, 1975)
God Bless the Child
(Sony Masterworks, 1971)
Guitar Forms
(Verve, 1965)
Donald Byrd
A New Perspective
(Blue Note, 1963)
Midnight Blue
(Blue Note, 1963)
Bluesy Burrell
(OJC, 1962)
Tony Bennett
At Carnegie Hall
(Columbia, 1962)
Jimmy Smith
Back at the Chicken Shack
(Blue Note, 1960)
Kenny Burrell & John Coltrane
(Prestige, 1958)
Billie Holiday
Lady Sings the Blues
(Verve, 1956)


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