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4º SANTOS JAZZ FESTIVAL - DIÁRIO DE BORDO 2015

por Chico Marques
imagem de Nívio Mota


Neste domingo, o tarimbadíssimo Zuza Homem de Melo, responsável pela programação dos mais importantes Festivais de Música da história deste país, dizia com absoluta tranquilidade, do alto de seus 81 anos de idade: "Fiquem tranquilos, pois quando um Festival de Música sobrevive à terceira edição e consegue emplacar a quarta, é sinal de que vai ter vida longa."

Pois essa quarta edição do Santos Jazz Festival foi a da longevidade. Reuniu grandes músicos na faixa dos oitenta anos, como João Donato e Raul de Souza. e até dos noventa anos, como o santista Gilberto Mendes. Apostou na experiência, na história e no legado desses grandes artistas para vislumbrar seu próprio futuro num ano difícil para a Cultura do nosso país, em que muitas iniciativas culturais não estão conseguindo ver a luz do sol, por absoluta falta de verbas de patrocínio.

Não é exagero algum afirmar os produtores do Santos Jazz Festival, Denise Covas e Jamir Lopes, agiram com abnegação e obstinação para conseguir viabilizar este espetáculo musical que a cidade de Santos acaba de presenciar. Um espetáculo que, tão cedo, não vai dar para esquecer.

Com vocês, o já tradicional Diário de Bordo deste 4º Santos Jazz Festival.


DIA UM

O jornalista e investigador musical (e vascaíno ferrenho) Tárik de Souza costumava dizer que "durante muito tempo, João Donato foi um mito das internas da MPB: gênio, desligado, louco... de tudo um pouco". Pois nos bastidores do Santos Jazz Festival, Donato foi um verdadeiro Lorde. Simpático, sorridente e bonachão, cativou todos nós sem a menor dificuldade, sempre com atitudes afirmativas e uma tranquilidade a toda prova. 

Pouco eloquente com palavras, bastava Donato sentar ao piano diante de sua banda -- Luiz Alves no contrabaixo acústico, Robertinho Silva na bateria e Ricardo Pontes no saxofone -- para a magia começar e a genialidade aflorar. Era como se ele dissesse, com os dedos deslizando pelas teclas: "Palavras... quem precisa delas para ser eloquente?". 

João Donato subiu ao palco do Teatro Coliseu logo após a apresentação da suingada banda santista Quizumba Latina, que estendeu o tapete vermelho dando as boas vindas a Donato. Que, por sua vez, brilhou com seu repertório clássico, mesclado com algumas novidades, num set list precioso de 20 pérolas musicais. 

Acreditem: João Donato está em excelente forma aos 80 anos de idade. 

Gênio? Com certeza.

Desligado? Claro...

Louco? Sim, mas bem mansinho. 

Só nos resta torcer para que João Donato consiga permanecer assim por mais quantos anos for possível. 


DIA DOIS

O bom humor de Raul de Souza é contagiante. Sua banda racha de rir com as bobagens que ele diz. E ele diz bobagens o tempo todo. A maioria das  histórias que ele conta sobre seus 60 anos como músico profissional são pitorescas e terminam de forma inusitada. Sempre com gargalhadas generalizadas. Nada mal para um artista que passou sérias privações quando criança e que descobriu a música, o trombone e a alegria de viver assistindo à banda dos funcionários das Tecelagens Bangu.

Quando Raul de Souza subiu ao palco do Teatro Coliseu, logo após a bela e cerebral apresentação do André Marques Sexteto, a alegria e o improviso livre tomaram conta do palco, num mix de gafieira e jazz que só músicos da sua geração conseguem combinar com conhecimento absoluto de causa. Quem esperava pelo Raul bossanovista dos Anos 60 ou pelo Raul suingado dos Anos 70 nas parcerias com George Duke e Airto Moreira, com certeza se surpreendeu. O Raul de Souza que estava alí era, na verdade, um jovem octagenário, com pulmões perfeitos, soprando seu trombone à frente de uma banda de jovens discípulos aplicadíssimos.

Foi uma belíssima apresentação, de um vigor impressionante. E quando Raul deixou o palco, ofegante, em direção ao elevador, com um ar de missão cumprida, eu confesso que me emocionei diante de tamanha dignidade artística. 

Como ficar indiferente a tamanha presença de espírito e tanto talento reunido num artista só? 


DIA TRÊS

O que pode acontecer quando dois educadores musicais extremamente talentosos decidem homenagear um um gênio musical que acaba de completar 93 anos de idade?

Muita coisa. 

O pianista Antonio Eduardo e o saxofonista e flautista José Simonian encerraram o dia mais concorrido e repleto de atrações do 4º Santos Jazz Festival dando uma aula de dignidade musical lançando seu cd "Amor Antigo", onde passeiam com uma atitude modernista pela alma musical ancestral de Santos e do Brasil, até chegar a Gilberto Mendes e seu vanguardismo musical.

Foi um dia em que cantoras da cidade como Kika Willcox e Deborah Tarquínio soltaram suas vozes em contextos muito diferentes do habitual. Kika pôs sua voz para brilhar à frente de uma sessão de metais, e se deu muitíssimo bem. Já Deborah colocou sua voz a serviço do repertório de Billie Holiday, com resultados surpreendentes. 

E, claro, foi também um dia em que artistas de São Paulo como Reginaldo 16 Toneladas, Tomatti, Zérro Santos e Cuca Teixeira fizeram da Casa da Frontaria Azulejada um palco vibrante para intervenções artísticas, em meio às curiosidades oferecidas pelos expositores do Bazar Cafofo.

Ou seja: foi um dia e tanto!


DIA QUATRO

Neste ano, ao contrário dos anos anteriores, o Santos Jazz Festival optou por trazer uma programação de peso no encerramento. Daí, convocou a grande cantora brasiliense Rosa Passos para contracenar com a Orquestra Sinfônica Municipal de Santos, que todo ano participa do evento. Essa união resultou numa das performances híbridas mais impressionantes da OSMS nos últimos anos, sempre regida pela habilíssimo Maestro Luiz Gustavo Petri. E o resultado dessa simbiose foi surpreendente, revelando uma nova e curiosa faceta na carreira de Rosa Passos, que está acostumada a cantar acompanhada por trios, quartetos e quintetos.

Ao contrário dos anos anteriores, a noite de Rosa Passos com a Sinfônica de Santos lotou o Teatro do SESC-Santos. Foi a noite mais disputada do Festival, perdendo inclusive para a noite de estréia. Foi também a primeira noite do Festival a ter seus ingressos esgotados este ano. A julgar pelo sucesso da estratégia, podem esperar para o ano que vem uma despedida tão intensa e tão bela e tão delicada quanto a que nos foi proporcionada nesta noite de domingo.

E assim o Santos Jazz Festival se despede de 2015 com honras. E já começa a se preparar para os desafios que virão pela frente em 2016. Com certeza será mais um ano desafiador, mais uma prova de fogo para muitos eventos culturais pelo Brasil afora. Dentro desse contexto, o Santos Jazz Festival já pode ser considerado um sobrevivente. 

E assim como sempre acontece nos finais dos filmes de James Bond, anunciamos desde já: "Santos Jazz Festival Will Return". 






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