por Chico Marques
Discos em dueto entre cantores e músicos de sopro sempre foram uma espécie de porto seguro para músicos de jazz em geral.
São produções relativamente simples e confortáveis, ainda mais se houver familiaridade entre os músicos envolvidos.
Em alguns casos, o resultado acaba sendo surpreendente -- como nas fantásticas gravações de Stan Getz com Astrud Gilberto, e nos excelentes discos de colaboração entre Johnny Hartman com John Coltrane e de Nancy Wilson com Cannonball Adderley.
Daí, não é exagero algum afirmar que o que o saxofonista Branford Marsalis e vocalista Kurt Elling conseguiram realizar neste Upward Spiral (um lançamento Okeh Records) não deixa nada a dever aos trabalhos mencionados acima.
Mr. Marsalis tem uma longa experiência como sideman de cantores -- a começar por Sting, com quem trabalhou e excursionou em algumas ocasiões.
No entanto, até agora não tinha tido a oportunidade de dividir um LP inteiro com um único cantor, em condições de igualdade criativa.
Upward Spiral traz o quarteto clássico de Mr. Marsalis -- o pianista Joey Calderazzo, o baixista Eric Revis, e o baterista Justin Faulkner -- contracenando com Kurt Elling de forma ora vertiginosa, ora delicada em standards e canções originais quase sempre inusitadas, que eventualmente acabam se transformando em jams muito saborosas.
É o que acontece, por exemplo, em There’s a Boat Dat’s Leavin’ Soon for New York, de George and Ira Gershwin, da opera Porgy & Bess.
Não se trata exatamente de um standard, e, apesar de muito conhecido, não está entre os números mais regravados do songbook da dupla, talvez por ser étnico demais.
Confesso que nunca ouvi essa canção numa gravação tão calorosa e despojada -- mas também tão sofisticada -- quanto esta aqui.
Mas, tem muito mais de onde veio isso.
Como definir os vôos delicados nas gravações de Só Tinha Que Ser Com Você e I'm A Fool To Want You, em contraponto com escolhas surpreendentes como a versão cool para balada melodramática Blue Velvet e o rap sereno de Mama Said?
Não adiante: tanto Mr. Marsalis quanto Mr. Elling não possuem a menor vocação para trabalhos de natureza conformista, até porque são incapazes de não ser intrépidos e ousados em termos artísticos.
Para eles, a imprevisibilidade não só dá o tom da brincadeira do início ao fim, como parece ser questão de honra.
E é isso que faz deles dois artistas tão relevantes e tão especiais.
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