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SÃO JOÃO COLTRANE, QUEM DIRIA... (por Chico Marques)


A Costa Oeste dos Estados Unidos abriga algumas das Igrejas mais malucas do Planeta Terra.

Hoi No Hana, Corpo de Cristo, Ordem do Templo Solar, Heaven's Gate... todas essas surgiram comandadas por visionários ou meros oportunistas que sobreviveram às Montanhas Rochosas e conseguiram alcançar o Golden State -- sabe-se lá em que condições psíquicas.

Pois uma das mais curiosas -- para não dizer estranhas -- delas todas é a Igreja Africana Ortodoxa de São John William Coltrane, com sede na Fillmore Street, em San Francisco, onde quem entra já vê a imagem do grande saxofonista tenor em uma tela grande, santificado.

Na mão direita, John segura uma escritura. 

Na esquerda, seu sax tenor, de onde saem chamas divinas. 

Como todo santo, São Coltrane tem uma razão de ser: ele agora é o padroeiro de todos os artistas, de todos que buscam os extremos da criatividade, e que precisam de ajuda para superar vícios. 

Os rituais são celebrados com a música de Coltrane em jam sessions num altar de dar inveja à maioria dos nightclubs de jazz, e a música ao vivo é usada para promover tanto batismos ou exorcismos. 

"Muitas vezes estamos sobrecarregados por 'espíritos ameaçadores', e a música tem o poder de nos aliviar e nos libertar. Outras vezes é uma celebração, um batismo em som, em que nos alegramos", explica um fiel. "Isso toca em uma crença profundamente enraizada no poder místico do som e da música, pois consideramos que a música de São John é o som ungido que saltou do trono do céu, direto da própria mente de Deus, e encarnada em John William Coltrane."

Esse delírio todo começou depois de uma entrevista que Coltrane concedeu em Tóquio, em 1966. 

Na ocasião, perguntaram a Coltrane o que ele gostaria de ser dali a dez ou 20 anos. 

"Um santo", ele respondeu. 

Eram tempos difíceis para John Coltrane, que lutava contra a dependência de heroína e buscava abrigo em misticismos que acabaram impregnando de forma muito negativa seus discos finais, execrados por crítica e público -- ele morreu em 1967 de câncer no fígado.

O estopim disso tudo teria sido "A Love Supreme", o grande disco de sua carreira, que acaba de completar 50 anos de lançamento, e que virou objeto de adoração entre críticos e estudiosos do estilo.


Já para os devotos de São John William Coltrane, "A Love Supreme" é mais do que um grande disco.

É uma espécie de bíblia.

Segundo o depoimento de John Coltrane no encarte de 'A Love Supreme', o álbum foi concebido como uma reafirmação da fé.

 Muito influenciado por religiões africanas, indianas e até pelo candomblé, "A Love Supreme" é uma obra com pouco mais de 30 minutos, divididos em quatro temas: "Acknowledgement", "Resolution", "Pursuance" e "Psalm". 

Diz a lenda que a sequência de composições do álbum apareceu de uma única vez na cabeça de Coltrane. 

Com o pianista McCoy Tyner, o contrabaixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones, Coltrane gravou o álbum em menos de uma semana, em Nova Jersey, rompendo fronteiras do free-jazz e expressando sua gratidão a Deus em cada frenética sequência de notas. 

Obviamente, tudo isso facilitou bastante a vida dos que decidiram transformá-lo em Santo. 

Um detalhe: esse grupo de adoradores de John Coltrane e de "A Love Supreme" surgiu dois anos após sua morte apenas como uma comunidade religiosa. 

Mas só nos Anos 1980, foi incorporado à Igreja Africana Ortodoxa, após a canonização de Coltrane. 

Quem tiver interesse em conhecer mais sobre sobre São João Coltrane, o link é esse aqui 







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